Nova lei do impeachment trará equilíbrio institucional, aponta debate
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) debateu o projeto de lei que define novas regras para processos de impeachment. Na avaliação de senadores e especialistas que discutiram o tema, a iniciativa pode trazer segurança jurídica e equilíbrio de forças entre os poderes que conduzem esse processo. O projeto de lei (PL) 1.388/2023, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi originado a partir do anteprojeto a ele encaminhado pela comissão especial de juristas instalada em 2022 para estudar uma nova legislação relacionada à tipificação de crimes de responsabilidade e à definição das penalidades para os autores.
O entendimento dos participantes é de que a atual legislatura (Lei 1.079, de 1950), que completa 73 anos, apresenta lacunas e inseguranças já identificadas nos últimos dois processos de impeachment dos ex-presidentes da República, Fernando Color de Mello e Dilma Rousseff. Para eles, falta um rito próprio que esteja de acordo com o que já é previsto na Constituição Federal, defina um processo claro com amplo direito a defesa e ao contraditório e o detalhamento das condutas que podem ser enquadradas como crime de responsabilidade às autoridades.
“A Constituição, lá no artigo 52, ela já prevê crimes de responsabilidade de agentes públicos, por exemplo, de um juiz, de um agente, de um promotor, de um ministro do STJ, de um comandante das Forças Armadas, do Supremo, mas a Lei ela ainda não regula, ainda não trata objetivamente sobre esses casos. Então com esse aperfeiçoamento, com essa melhora que ela vai ter, sem dúvida nenhuma, representativa e qualitativa, nós vamos dar segurança e, claro, dar condição para que os Poderes possam continuar de forma harmônica cuidando da tão importante luta da nossa democracia”, disse o senador Weverton (PDT-MA), relator da matéria na CCJ.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que esteve à frente do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e coordenou os trabalhos da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto, afirmou que o projeto reforça o papel do poder Legislativo nacional no sentido de ampliar a fiscalização dos agentes públicos.
Para ele, a iniciativa preenche lacunas em relação à falta de regulamentação sobre crimes de responsabilidade, dolosos, quando praticado por outras autoridades, como ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas, diplomatas, entre outros. Além disso, segundo o ex-ministro, o texto apresenta uma regra clara sobre os processos a serem seguidos quando aberta a ação pelo Congresso Nacional e também melhora a tipificação dos diversos crimes de responsabilidade. Para ele, a proposta tem o cuidado de não banalizar o processo de impeachment.
“Então, é preciso, numa imputação tão grave como é uma imputação criminal, seja no que diz respeito ao crime comum, seja no que diz respeito ao crime de responsabilidade, que os contornos do tipo estejam bem balizados. Então, uma das questões com as quais nós nos defrontamos foi exatamente esta: além de estabelecermos os tipos penais de responsabilidade para aquelas autoridades nominadas na Constituição, mas não arroladas na Lei 1.079, nós também buscamos, digamos assim, melhorar a tipificação dos diversos crimes de responsabilidade”.
Abertura do processo
Uma das principais inseguranças da atual legislação citadas pelos debatedores é o que eles chamaram de “poder concentrado” nas mãos dos presidente da Câmara e do Senado pela legislação atual. O projeto estabelece um prazo para que os presidentes das Casas decidam se aceitam a denúncia por crime de responsabilidade encaminhada ao poder legal.
Hoje o presidente da Câmara, por exemplo, não tem prazo para deliberar sobre uma petição de impeachment do presidente da República. A matéria estabelece ainda a possibilidade de recurso contra o arquivamento dessa petição junto à Mesa da Câmara ou do Senado, a ser apresentado por no mínimo um terço dos representantes da Casa ou por lideranças partidárias que representem esse percentual de parlamentares.
“A deficiência principal é o poder excessivo e monocrático que têm os presidentes da Câmara e do Senado. Esse poder jamais deveria ser dado a uma pessoa, e sim a um colegiado. A lei vem corrigindo isso e dando um prazo. Se não tem um prazo e fica ao arbítrio dos presidente da Câmara ou do Senado, é claro que isso dá margem a muitas distorções ou deformações à finalidade da lei do impeachment. Sabemos que isso é excessivo e estamos corrigindo isso”, salientou o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Autoria do pedido
O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ex-secretário da Mesa Diretora do Senado, Fernando Bandeira de Mello, avaliou que a atual lei cria um fator de instabilidade na política nacional à medida que permite que qualquer um pode apresentar um pedido de impeachment contra uma autoridade. Na visão dele, a proposta qualifica o processo ao não permitir despachar qualquer petição.
“Nós encontramos referências constitucionais. Não vamos reinventar a roda. Quem é que poderia entrar com o processo de impeachment? Aqueles que podem entrar contra a constitucionalidade de uma lei, uma ação direta de inconstitucionalidade. E, somados a esses, vamos pegar quem é que pode iniciar um processo legislativo — a Constituição diz, tanto no âmbito federal quanto no âmbito estadual. Ora, esse parece ser um bom critério. Se aquele número de pessoas pode iniciar um processo legislativo, aquele mesmo número de pessoas poderia propor, iniciar um processo de impeachment, o que, inclusive, qualifica”.
Nesse sentido o pedido, segundo o texto, poderá ser encaminhado pelo cidadão, desde que preencha os requisitos da iniciativa legislativa popular. No âmbito federal, a Constituição exige a assinatura de um por cento dos eleitores, distribuídos por pelo menos cinco estados da Federação. Em cada um deles, é preciso no mínimo três décimos dos eleitores. O projeto também autoriza que algumas entidades ofereçam a denúncia. É o caso de partido político com representação no Poder Legislativo, OAB, entidade de classe ou organização sindical.
Pena
Bandeira lembrou ainda que outro impasse na atual legislação se concentrava na aplicação das penas. A Constituição define que a pena máxima, limita-se, a perda de cargo e inabilitação. Para ele, o projeto traz clareza no que tange a permissão ao Legislativo para a individualização da pena, de acordo com a proporcionalidade do ato cometido, sem que esta esteja sujeita a interpretações diversas pela Corte Superior.
“Na prática isso aumenta o poder dos senadores, aumenta a faculdade dos senadores de fazerem juízo individualizado da conduta. Aquela autoridade, pode ser o presidente da República, pode ser o ministro do Supremo, Comandante das Forças Armadas, diplomata, aquela autoridade ela agiu com má fé, com alta dose de probabilidade social em sua conduta ou ela cometeu um deslize pontual que merece deixar o cargo, mas não deva ser inabilitada. Isso permitirá ao senadores um espectro maior de decisões a fim de individualizar a pena a ser aplicada e não somente uma situação preto e branco. Perde o cargo com inabilitação ou é absorvido integralmente”.
O procurador de Justiça aposentado e professor da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), Gregório Assagra de Almeida concordou com Bandeira. “Essa proporcionalidade, essa razoabilidade ela se ampara em questões de Justiça. Em questões que já decorre de uma evolução do Direito de caráter punitivo das principais democracias do mundo”.
Tipificação
Na avaliação do advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Taveira Torres, o texto traz importante contribuição ao tipificar as condutas dos agentes públicos como aquelas praticadas contra a probidade administrativa e àquelas relacionadas a questão orçamentária.
“O que corresponde à tipificação das condutas, é essencial para que todos os agentes saibam exatamente o que pode ser objeto, claro, de responsabilidade à luz de outras leis, mas também especialmente quais são aquelas hipóteses que podem fomentar a sua aplicação quando se trata de crimes de responsabilidade. E esses crimes de responsabilidade devem ser identificados em tipologias bem determinadas, não é?”
Também integrante da comissão de juristas e consultor do Senado, João trindade, alertou para o fato de que existem algumas autoridades sem qualquer tipificação de crime de responsabilidade na lei atual.
“Por exemplo, o STJ chegou a julgar a Representação nº 8, de Goiás, que voltava-se para apurar um crime de responsabilidade de um desembargador, e o Superior Tribunal de Justiça absolveu o acusado da imputação por atipicidade, por falta exatamente de previsão legal. Então, não está se falando aqui de algo que pode vir a acontecer, se está falando de algo que efetivamente já aconteceu”, exemplificou, ao informar que o projeto já recebeu 58 emendas na CCJ.
Discrepâncias
Os senadores Esperidião Amin (PP-SC) e Izalci Lucas (PSDB-DF) defenderam o debate sobre a nova lei do impeachment. Mas destacaram, por exemplo, a necessidade de se esclarecer “discrepâncias” que eles identificam entre a Constituição Federal e o Regimento Interno do Senado no caso dos crimes de responsabilidade atribuídos a magistrados.
“A Constituição estabelece que é papel do Senado tratar do impeachment de ministros da Suprema Corte. Porém, o Regimento atribui ao presidente do Senado. Nosso Regimento “monocratiza” a decisão. Em 2021, foram arquivados 32 pedidos de impeachment sobre juízes, e nenhum deles foi apreciado pelo Plenário. Essas discrepâncias práticas tornam muito oportuna a discussão”, argumentou Amin.