Reparação de danos por tragédia de Mariana pode ser buscada fora do país
O Brasil deve ter uma visão internacional ao definir qual a melhor jurisdição para dar efetividade a um acordo de reparação de danos em situações como a do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, ocorrido em Mariana (Central) há mais de oito anos.
Foi o que defendeu nesta segunda-feira (6) a presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB/MG, Lorena Bastianetto. Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável e doutora em Direito Processual , ela foi uma das expositoras do debate público “Os Impactos e a Revitalização da Bacia do Rio Doce, realizado na Assembleia Leghislativa de Minas Gerais pela Cipe Rio Doce.
Na mesa 1, que discutiu as perspectivas de restauração e recuperação dos danos e propostas de repactuação e ações judiciais nacionais e internacionais, Lorena Bastianetto ressaltou que nem sempre a jurisdição local onde ocorreu o dano será a mais preparada para lidar com a situação.
“Não adianta uma lei ambiental protetiva como a do Brasil, a efetivação material da legislação para dar eficácia às decisões tem que ser discutida”, disse Lorena Bastianetto. Ela ainda lembrou que parte do processo envolvendo o rompimento em Mariana já está judicializado na Inglaterra.
Também apontou que há situações em que medidas como sequestro de bens para uma efetiva reparação podem ser buscadas fora, em vez esperar por aportes nesse sentido no sistema de justiça brasileiro.
Desta forma, a especialista defendeu que a discussão sobre o melhor fórum para tratar da questão deve ser feita com um olhar global.
“Pode ser que seja melhor levar a voz de vocês (atingidos) para foruns internacionais. Vocês sofreram danos existenciais, com o aniquilamento de projetos de vida, e o fato de no Brasil ocorrerem acordos, isso não exclui que outras jurisdições de fora participem”, reiterou Lorena Bastianetto se dirigindo a uma plateia que lotou o debate.
Ministério Público condena modelo
Embora sem discordar da advogada quanto a ações serem levadas a tribunais de fora, o procurador-geral adjunto de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Carlos André Mariani Bittencourt, defendeu que o País não desista de dar conta da causa, ainda que criticando o modelo de negociação das reparações que predominou até então.
“É um modelo que não contou com nosso aval e se mostrou fracassado até hoje. Os valores não passaram pelo nosso crivo e nem balizam o que a gente quer”, frisou Carlos Bittencourt. Ele explicou que o MP entendeu que a criação da Fundação Renova veio terceirizar a responsabilidade da Samarco e de suas duas controladoras, a Vale e a BHP.
O procurador ainda destacou que há três anos o MP estadual está participando das mesas de revisão do acordo e alertou que as empresas estão lutando para se eximir da responsabilidade pela retirada dos rejeitos que se acumularam com o rompimento da barragem, justamente um ponto que é crucial para o Rio Doce e atingidos.
Por sua vez, Eduardo Armond de Araujo, coordenador da Rede Sindical de Barragens, denunciou que embora Fundão e Brumadinho tenham sido os exemplos mais drásticos, acidentes na mineração têm sido recorrentes em Minas desde 1987, totalizando 306 mortes de trabalhadores de lá pra cá.
“Seja aqui, seja na Inglaterra, temos que continuar a luta e transformar essas mineradoras em exemplos para mudar um processo de trabalho que sistematicamente mata trabalhadores”, cobrou ele.
Eduardo Armond de Araujo ainda afirmou que, no País, para cada 100 mil trabalhadores, seis têm um acidente mortal, proporção que levando em conta somente a mineração daria 17 mortos para cada 100 mil.
Tratamento diferenciado é criticado
Já Marcos Cristiano Zucarelí, doutor em Antropologia Social, alertou para o fato de negociações sendo feitas em separado levarem a uma assimetria no tratamento dado às comunidades atingidas.
Ele citou o exemplo de Campinas e Barretos, que fazem divisa intermunicipal com Mariana e Barra Longa. Campinas entrou no acordo com a cidade de Mariana, em processo mediado na Justiça Estadual, enquanto Barretos entrou na discussão junto com Barra Longa, que ficou com a esfera federal.
“A maioria dos atingidos de Campinas teve boa parte de seus direitos atendidos quanto a medidas paliativas emergenciais, ao contrário de Barretos, onde muitos sequer foram considerados como atingidos e esbarraram nessa forma diferenciada e na burocracia”, ilustrou ele, defendendo que não se perca de vista a dimensão que tem o rompimento de Fundão, qual seja a discussão.
“É sempre bom relembrar que este foi o maior desastre sociotécnico do Brasil e o maior do mundo em derrame de rejeitos de mineração, que percorreram 700 km, atingindo mais de 40 municípios e dois estados. E desde então a população convive com o desastre”, frisou o pesquisador.
Proposta de mineradora seria inaceitável
Debatedor da mesa 1, o deputado federal Rogério Correia (PT/MG), coordenador da Comissão Externa sobre Fiscalização dos Rompimentos de Barragens e Repactuação da Câmara dos Deputados, chamou de “jogada cínica” a proposta de repactuação defendida pela Vale, que, segundo avaliou, retirou atribuições que seriam de sua responsabilidade, repassando o ônus para o poder público.
Segundo Rogério Correia, são pontos críticos: o volume de retirada de rejeitos do Rio Doce na proposta da empresa ser inferior ao negociado anteriormente; a recuperação de nascentes e áreas degradadas ficarem a cargo do poder público; haver o encerramento do gerenciamento das águas e a desresponsabilização da empresa para com danos futuros à saúde.
Além de que prefeitos de cidades atingidas teriam que desistir de ações judiciais já em andamento para serem incluídos na repactuação. “Inaceitável”, resumiu o deputado federal.