Comissão de Administração Pública debate a responsabilidade do poder público quanto às medidas de segurança da população e fiscalização das estruturas de propriedade da Vale
Apontadas como a solução para as barragens de rejeito minerário construídas a montante, que causaram centenas de mortes em Minas Gerais, nos últimos oito anos, as pilhas de rejeito estéril erigidas a seco têm agora sua segurança colocada em cheque no distrito de Santa Rita Durão, localizado em Mariana (região Central).
Durante a audiência pública realizada nesta segunda-feira (4/12/23), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), moradores de Santa Rita Durão se queixaram de que só ficaram sabendo pela imprensa do risco de desmoronamento de uma pilha de rejeito construída pelo grupo Vale na Mina de Fábrica Nova, próxima à localidade.
O risco já era conhecido pela mineradora Vale pelo menos desde 2020, quando foi produzido um laudo geotécnico contratado pela própria empresa. Esse laudo, no entanto, só se tornou público em 10 de novembro, quando uma fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM) exigiu a apresentação do documento.
A decisão da empresa em ocultar esta avaliação de risco levou a deputada Beatriz Cerqueira (PT) a apresentar requerimento cobrando uma investigação e uma punição a esse comportamento. “Tem que ter uma apuração, tem que ter um inquérito nisso aqui. Vai ficar por isso mesmo? Só porque é a Vale? Podia ter ocorrido outra tragédia. Tem que ter apuração de responsabilidades”, declarou a parlamentar.
Moradores do distrito de Santa Rita Durão que participaram da audiência pública se disseram indignados e alarmados com a falta de informações e de qualquer atenção da mineradora. “No dia 10 de novembro eu estava na minha cozinha, fazendo almoço e assistindo ao MGTV e, de repente, passa na televisão que os moradores de Santa Rita estavam sendo retirados do local porque havia um risco de rompimento”, afirmou a moradora Vera Lúcia das Graças.
Segundo ela, a mineradora ainda não visitou as famílias ameaçadas e nem prestou qualquer esclarecimento diretamente aos moradores. Vera Lúcia não é um caso isolado. De acordo com o advogado Ronaldo Salles, também morador de Santa Rita, são aproximadamente 300 famílias que só tomaram conhecimento do risco por meio da imprensa.
Outra moradora, Franciele Carneiro, se queixou de que o distrito já sofre grandes prejuízos. Apesar de Santa Rita ser um povoado histórico, criado há mais de 300 anos durante o Ciclo do Ouro, os turistas fogem do local, diante das inúmeras placas e avisos de risco. Franciele também diz que os moradores e especialmente as crianças sofrem com o barulho dos caminhões e a poeira de minério, que provoca doenças respiratórias.
Novo documento garantiria a segurança de pilhas de rejeito
De acordo com o gerente regional da ANM em Minas Gerais, Leandro Carvalho, um novo documento apresentado pela Vale em 20 de novembro garante que as pilhas de rejeito da Mina de Fábrica Nova estariam estáveis e seguras. “A ANM está analisando (esse documento) para saber se a gente vai desinterditar ou não”, afirmou Carvalho.
Além de ter escondido a avaliação de risco por três anos, a mineradora Vale também se recusou a comparecer à audiência pública agendada pela Assembleia de Minas. E durante a reunião desta segunda, o subsecretário de Defesa Civil da Prefeitura de Mariana, Welbert Stopa, revelou que também a administração municipal só ficou sabendo do risco de desmoronamento da pilha de rejeitos por meio da imprensa.
A arqueóloga e historiadora Alenice Motta Baêta afirmou que Santa Rita Durão não é o único distrito de Mariana que está ameaçado pelas pilhas de rejeito estéril. “A Vale está construindo uma pilha seca a 400 metros do centro histórico de Camargos”, afirmou ela, referindo-se a outro distrito criado no início do século XVIII.
A historiadora acusa a Vale de cercar estes distritos e criar um clima de insegurança para limitar qualquer outra atividade econômica e condená-los à dependência da mineração. “É um local com vocação para o turismo cultural. Como as autoridades podem deixar que ele fique isolado desta forma? Há um projeto claro de sacrifício desses territórios de Bento Rodrigues, Camargos e Santa Rita Durão. As mineradoras decidiram que vocês têm que se submeter a isso”, afirmou ela aos moradores.
O gerente regional da ANM em Minas, Leandro Carvalho, disse que um dos problemas é a falta de uma legislação detalhada para fiscalização das pilhas de rejeito estéril, uma vez que se trata de um método que só recentemente se tornou mais utilizado. Segundo ele, a legislação sobre pilhas de rejeitos não exige a apresentação de laudos atualizados.
“Esse documento (divulgado em novembro)só foi apresentado porque nós exigimos. A empresa não tem obrigação legal de apresentar isso.”, disse Leandro Carvalho, gerente regional da ANM em Minas