Com o objetivo de reprimir manobras criminosas para a regularização de reboques e semirreboques de origem ilegal, a partir de notas fiscais ideologicamente falsas, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), em parceria com a Secretaria de Estado de Fazenda (SEF-MG) e o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e apoio das polícias civis de Goiás, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, deflagrou, nesta quinta-feira (29/7), a segunda fase da operação Noakes. No total, nove pessoas foram detidas em virtude de mandados de prisão temporária e 16 mandados de busca e apreensão, cumpridos.
Segundo o delegado Renato de Alcino Vieira, titular da Delegacia de Trânsito em Araxá (MG), Alto Paranaíba, as investigações começaram em março deste ano, a partir de uma vistoria, na qual foram constatados indícios de adulteração de identificação veicular. Além disso, a má conservação do veículo não condizia com o descrito na nota fiscal emitida no mês anterior, como sendo novo. Ainda, havia indicativos de fraude relacionada com a nota fiscal. “Conforme nós avançávamos nas investigações, percebemos que havia outras situações a serem descobertas”, pontua o delegado.
No decorrer dos quatro meses de apurações, 296 mil reboques e semirreboques entraram na mira da investigação, sendo que 75,5 mil – emplacados nos últimos dois anos aproximadamente, em diferentes cidades brasileiras – já estão bloqueados pela Justiça. Outro resultado expressivo, de acordo com o delegado, é a desarticulação de dois núcleos do esquema criminoso, sendo um deles na região Centro-Oeste do país, inclusive com operação realizada em Goiânia (GO), onde 39.603 veículos (dos 75,5 mil) foram identificados como irregulares; e no Sul, com suspeitos já identificados e procurados pela polícia para o cumprimento das prisões temporárias.
Indisponibilidade de bens
Outra medida cautelar, decorrente do trabalho investigativo desencadeado, é o bloqueio e indisponibilidade de bens dos alvos, que pode chegar a R$ 55 milhões, conforme estimado, para serem revertidos aos cofres públicos. Até o momento, oito empresas e três sites de vendas on-line são investigados. As irregularidades apuradas envolvem práticas como fraude e sonegação fiscal, impactando também na segurança viária, uma vez que a fabricação desses transportadores de carga possui normas técnicas específicas, além da exigência de o fabricante ser homologado pelo Denatran.
Renato Alcino pontua que os delitos em investigação incluem adulteração de sinais de veículo automotor, crimes contra a ordem tributária e financeira, lavagem de dinheiro, organização criminosa e falsidade ideológica. “A partir desses crimes, com certeza, tendem a aparecer outros”, observa. O delegado explica ainda que, além das empresas investigadas, as pessoas que se valem dessas manobras, cientes do caráter ilícito, também podem ser responsabilizadas, inicialmente, por uso de documento falso.
O delegado fiscal e auditor fiscal da Receita Estadual, João Carlos Aparecido Minto, ressalta a importância do combate às irregularidades: “É papel da Receita Estadual enfrentar e desmontar esquemas de constituição irregular de empresas, como o visto hoje, para que esse tipo de prática perca força e não ofereça prejuízo aos empresários que trabalham de forma lícita em Minas Gerais e no Brasil. O Fisco mineiro trabalha diariamente para garantir um mercado livre e justo, através do combate à concorrência desleal e à sonegação, para quem empreende em nosso estado”.
Resultados da operação
Em Minas Gerais, a ação ocorreu em Palmópolis, Vale do Jequitinhonha, com quatro prisões, e em Divisa Alegre, Norte do estado, com um preso, além de Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde foi cumprido um mandado de busca e apreensão. Nos três municípios, seis veículos foram apreendidos, dois em cada, bem como um computador e um celular. Em Palmópolis, com um dos alvos, a polícia encontrou uma arma de fogo, sendo o suspeito autuado em flagrante. Ao todo, as equipes ligadas aos 5º e 15º Departamentos de Polícia Civil cumpriram seis mandados de busca e cinco de prisão.
Já em Goiânia (GO), duas pessoas foram presas e quatro buscas efetuadas, resultando na apreensão de dez veículos, quatro aparelhos celulares, três computadores e R$ 5,5 mil. No estado de São Paulo, em Aguaí, houve duas prisões e os policiais apreenderam um veículo, dois celulares e dois computadores, bem como dois equipamentos usados para gravação e adulteração de número de identificação veicular durante o cumprimento de um mandado de busca.
No Sul do país, a operação ocorreu em Cascavel (PR), com o cumprimento de três mandados de busca e apreensão, e nas cidades catarinenses de Itajaí e Balneário Camboriú, totalizando duas buscas efetivadas, com a apreensão de três aparelhos celulares e dois computadores.
Manobras utilizadas
De acordo com o delegado Renato de Alcino, o esquema ocorria da seguinte maneira: empresas homologadas pelo Denatran geravam e incluíam Números de Identificação Veicular (NIV) na Base Nacional de Veículos Automotores (Renavam), procedimento que Vieira compara à “certidão de nascimento do veículo”. No curso da investigação, foi identificado que duas empresas autorizadas não fabricavam os reboques e semirreboques. “Elas passaram a utilizar empresas noteiras para emitir notas fiscais e comercializá-las. Quem adquiria essas notas, em regra, não tinha autorização e construía esses veículos de forma artesanal, sem critério de segurança”, explica. Ainda segundo o delegado, sites de vendas on-line anunciavam as notas fiscais fraudulentas. Inclusive, os responsáveis das três páginas investigadas foram notificados hoje para retirarem os anúncios.
A discrepância entre empresa emissora de nota, que deveria ser a fabricante, com a atividade realizada foi verificada, por exemplo, no município de Goiânia (GO), conforme relata o delegado Alécio Moreira, da Polícia Civil do Estado de Goiás. “Efetuamos a prisão de um casal proprietário de uma empresa noteira, que nunca produziu uma carreta. E conseguimos localizar uma funcionária, que trabalhava para a empresa e a função dela era só emitir notas fiscais, em média de 40 a 50 notas por dia, o que não condiz com a estrutura que a suposta empresa apresentava: um galpão de aproximadamente 600 metros quadrados”, relata.
Renato de Alcino esclarece que além da inobservância dos parâmetros técnicos na fabricação, outros crimes eram alimentados. “Temos situações de veículos que possuíam extensa relação de multas, débitos relacionados com crimes ambientais, e que precisavam ser renovados. Então, essa organização criminosa vendia as notas, o interessado fazia supressão do chassi anterior e lançava o chassi que era gerado pela empresa homologada. Com isso, em posse da nota fiscal e já tendo registro na base do Renavam, conseguia regularizar seus veículos não apenas em Minas Gerais, mas em todo o país”, conta o delegado, além de pontuar que foi identificado também, em dois pontos de fabricação, veículos provenientes de crimes patrimoniais, como furto.
Integração
Inicialmente, em Araxá, foram apreendidos 29 reboques e semirreboques, na primeira fase da operação, realizada em meados de maio deste ano. Com os resultados das investigações e a identificação de suspeitos no esquema, houve a representação das medidas cautelares, deferidas pela Justiça e cumpridas durante a operação. “Conseguimos fazer um trabalho de forma muito azeitada com as demais forças de segurança, destacadamente em relação ao Ministério Público e ao Poder Judiciário”, destaca Renato de Alcino ao pontuar também a colaboração do Denatran e da Secretaria de Estado de Fazenda com o fornecimento de dados necessários ao trabalho investigativo.
Nome da operação
Noakes, nome dado à operação, faz alusão à acuidade dos vistoriadores da PCMG em Araxá, que, por meio da inspeção em reboques, suscitaram a fraude. É uma referência ao agente de segurança britânico Sidney Noakes, que, após a 2ª Guerra Mundial, em um ponto de controle na Alemanha, identificou um líder da SS (polícia nazista) se passando por um oficial de patente mais baixa para não ser descoberto e sair livre. Ele teria apresentado documentos similares a outros já identificados pela inteligência britânica como sendo falsos, usados por membros da SS para tentar fugir.